A Desmistificação da Loucura






Este artigo visa elucidar o processo sócio-histórico da loucura, as concepções de normalidade e anormalidade, as perspectivas de tratamento envolvidas no manejo com a loucura antes da Reforma Psiquiátrica e o processo de exclusão do louco na sociedade. A partir de um novo perfil de adoecimento mental traçar um percurso que possibilite construir a desmistificação do indivíduo portador de transtorno mental, de acordo com as formas atuais de assistência psiquiátrica, bem como conhecer os mecanismos de humanização disponibilizados pelos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, pautando-se na desinstitucionalização e no resgate à subjetividade e à singularidade do ser humano baseando-se no respeito à sua forma de ser no mundo, a fim de conhecer os dispositivos que propiciam mudanças na vida dos indivíduos com sofrimento psíquico.
Palavras-chave: Loucura, Desmistificação, Centro de Atenção Psicossocial

A loucura fascina porque é um saber. É um saber, de início, porque todas essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico. (...) Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detém em sua parvície inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe desse saber algumas figuras fragmentárias - e por isso mesmo mais inquietantes -, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível (FOUCAULT, 1961/1989).
Estudar os processos psíquicos e suas formas de subjetivação envolve motivação, visto que a loucura é um conhecimento que tem algo a revelar, algo a ser interpretado e que necessita de uma visão incondicional no que tange à interação desses indivíduos na sociedade. O ser louco, nada mais é, do que uma forma de ser no mundo, é um desligamento da realidade em que ocorre a perda da consciência da sua realidade exterior.
Processos de estigmatização são referidos e concebidos como estando entre os maiores empecilhos no avanço da atribuição de um lugar social à loucura e do exercício de cidadania dos loucos, projetos centrais da Reforma Psiquiátrica. O lugar social da loucura, a despeito de um certo deslocamento produzido, permanece ainda, de modo geral, aquele de situar-se à margem da sociedade (NUNES, 2009).
Foucault destaca que a história da loucura não se restringe à sua relação com o domínio exclusivo do conhecimento médico, paramédico ou psicológico. A delimitação da loucura como doença mental, no contexto da medicina, se relaciona à experiência jurídica da alienação, na constituição do estatuto do que seja um indivíduo incapaz, perturbador do grupo, de acordo com os preceitos morais, éticos e políticos dos séculos XVII e XVIII (SILVEIRA,2009).
Esse artigo visa correlacionar à loucura como um processo desmistificado, para assim, explanar os aspectos mais relevantes do tratamento atual buscando identificar sua forma de cuidado através do Centro de Atenção Psicossocial que é um serviço que proporciona atendimento àqueles indivíduos que outrora eram atendidos nos hospitais psiquiátricos de modo desumanizado, excluído, visto que, a doença mental não era entendida em sua complexidade e manifestação.
No campo da saúde mental, um grande avanço nas políticas públicas procedeu da aprovação e sanção pelo Presidente da República, no dia 6 de abril de 2001, da Lei de número 3.657/89, que proíbe a construção ou contratação de novos leitos psiquiátricos pelo poder público e prevê o redirecionamento dos recursos públicos para a criação de recursos alternativos (KYRLLOS NETO,2003).
 A partir do final da década de 70, tomou forma, no Brasil, um movimento da Reforma Psiquiátrica com um questionamento incisivo das políticas públicas de saúde mental e do modelo assistencial centrado nos hospitais psiquiátricos e em estratégias de exclusão. Esse movimento ganhou força com a Reforma Sanitária e, posteriormente, com a implantação do SUS (Sistema Único de Saúde). A Reforma Psiquiátrica se organizou, em linhas gerais, a partir de dois vetores: o de crítica e reforma do modelo hospitalocêncrico; e o de desconstrução dos espaços asilares e efetivação de modelos assistenciais alternativos (GOULART,2010).
Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Constitui-se num lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (Ministério da Saúde, 2004).

O Processo Sócio-Histórico da Loucura

Ao longo de toda a modernidade, o espaço da loucura e dos loucos foi, por excelência, o da exclusão. Considerados inaptos, desrazoados, imorais, indisciplinados ou loucos, desde a fundação do Hospital Geral, em 1652, foram mantidos fora do convívio social. Na passagem do século XIX para o XX, no entanto, as formas de classificação e tratamento dos doentes mentais foram objeto de duras críticas por parte de médicos, psiquiatras, filósofos, historiadores, sociólogos, entre outros profissionais. No período pós-Segunda Guerra Mundial essas críticas se intensificaram, intimamente relacionadas às questões dos direitos humanos e dos direitos à cidadania (OLIVEIRA,2011).
O caminho histórico da loucura perpassa desde a Grécia, por volta de 2.550 anos atrás em que os indivíduos loucos expressariam tal aspecto através de manifestações demoníacas. Na Renascença os indivíduos portadores de algum transtorno mental não eram entendidos nessa condição, então, eram inseridos na Nau dos Loucos, que eram navios que transportavam esses tipos sociais e que ficavam no mar à deriva em busca da razão. Somente no século XVII que se iniciam as primeiras ligações entre loucura e internamento, em que se tinha uma forma de loucura segredada na sociedade.
A loucura tem sido uma companheira inseparável do homem ao longo de todo o seu trajeto conhecido pela história. As referências a loucos são encontradas desde o Velho Testamento aos estudos etnográficos das sociedades chamadas primitivas. Não existe cultura que deixe de ser sensível àquilo que escapa a sua norma, definindo incessantemente as fronteiras entre a loucura e a normalidade, voltando seu olhar para a presença dos "loucos" no convívio com as pessoas "normais" e produzindo estratégias para enfrentar os produtos dessa divisão (FREITAS,1987).
A doença mental permanece até hoje obscura perante a medicina, ou seja, não há uma causa que realmente explique esta doença tão estigmatizante. No entanto, o adoecer psíquico é facilmente percebido, pois em geral, são apresentados pelos indivíduos que adoecem comportamentos fora daqueles normalmente aceitos pela sociedade. Assim, não sendo entendida pela comunidade como uma doença de causa já bem conhecida, tem sua definição pela determinação cultural e de valores, e não apenas por fatores biológicos. Existindo assim, o paradigma da exclusão social que se resume em isolamento dos doentes que não são aceitos dentro dos padrões habituais (SPADINI, 2006).
A loucura é um saber que precisa ser conhecido para ser desmistificado, logo, é uma condição inerente do ser humano, um espaço a ser respeitado, compreendido. Entender a loucura através de uma visão humanizada é um processo necessário para utilizar dispositivos sociais para promover a inserção destes na sociedade.
Há cerca de 30 anos vem tomando corpo no Brasil um movimento social que milita pela desinstitucionalização do paciente psiquiátrico. Esse movimento não é criação nossa, tendo raízes em propostas similares que, em graus variados, provocaram mudanças não negligenciáveis na maneira de se encarar a questão da saúde mental em outros países. No nosso país aprendemos a chamar esse movimento de Reforma Psiquiátrica (FRANCA NETO. 2009).

Conhecer para Desmistificar

Sabendo que a loucura é uma condição inerente ao ser humano, e pode ocorrer por experiências negativas na sua vida, por distúrbios orgânicos ou ainda por uma fuga da realidade objetiva para outra subjetiva, entende-se a priori que devem ser criados mecanismos para que os processos estigmatizados da loucura possam ser clarificados a partir de suas vivências, pois ser louco é um processo natural que deve ser entendido para ser desmistificado.
Além do processo de estigmatização poder atingir distintos atores sociais envolvidos com as pessoas portadoras de transtornos mentais, a interpretação desse processo assume conotações variadas. Estroff3 enfatiza a diferença entre os aspectos do estigma expressos por cuidadores e por usuários. Assim, entre os seus interlocutores, enquanto os cuidadores tendem a focalizar aspectos do estigma relacionados à doença, os usuários preocupam-se mais com seus direitos como cidadãos. Protestam "muito mais severamente contra as injúrias do tratamento do que sobre a doença, a humilhação e a perda do eu; da pobreza econômica e da raridade de oportunidades do que de alucinações auditivas e visuais" (NUNES,2010).
Hoje é sabido que a doença mental, explicada por causas biológicas, psicológicas e sociais, necessita de assistência adequada, com a finalidade de ressocialização do doente e de apoio adequado para este e para a família. A ressocialização ainda é difícil, pois a doença mental em alguns casos, ainda é vista como transgressões de normas sociais, considerada uma desordem, não é tolerada e, portanto, segregada (SPADINI,2006).
Vale ressaltar que, modelos de Reabilitação Psicossocial têm sido implantados com a finalidade precípua de resgatar a cidadania do paciente. Neste sentido, a Reabilitação Psicossocial tem como metas: diminuir o sofrimento, desidentificar a pessoa da doença, neutralizar processos crônicos, aumentar a articulação social do sujeito com o ambiente, ampliar a capacidade de autonomia para a vida, ampliar as oportunidades e aumentar o poder de contratualidade social (CHAMMA,2011).

O Centro de Atenção Psicossocial: promovendo a humanização da loucura

Os CAPS representam mais do que uma simples alternativa ao modelo hospitalar predominante, funcionando com o objetivo de evitar internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência e, principalmente, por tornar possível o desenvolvimento de laços sociais e interpessoais, indispensáveis para o estabelecimento de novas possibilidades de vida (MARZANO, 2004).
Na condição de serviços públicos de saúde mental no campo da saúde coletiva, devem garantir acesso, integralidade e resolutividade na assistência prestada, agregando os diferentes níveis de atenção (primário, secundário e terciário) em uma unidade, gerando reflexões concernentes ao modelo assistencial e à clínica. A complexidade na organização da assistência e os impactos subjetivos nos profissionais próprios do trabalho com a psicose conferem ao CAPS desafios e necessidade de constante acompanhamento e análise. Os aspectos institucionais da Reforma Psiquiátrica, atualizados nos CAPS, apresentam relações entre intersubjetividade, gestão, formação profissional e clínica (CAMPOS, 2011).
É função dos CAPS, prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos, acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação; dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica; organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios; articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado território; promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários (Ministério da saúde, 2004).
A visão do louco perpassa por um período histórico em que se tinha a idéia de que ser louco era algo anormal ou sobrenatural, alguém que ocupava um vácuo na sociedade por ser inapto às funções estabelecidas por uma nação. Por muito tempo, o trato com os loucos foi desumanizado, não existia uma política de acolhimento, visto que, essa demanda era inserida em hospitais psiquiátricos; somente depois da reforma psiquiátrica foi possível a inserção dos mesmos nos CAPS, em que se configura como um ambiente mais familiar, mais humanizado e acolhedor, proporcionando melhorias significas na vida desses pacientes.
O cuidado à pessoa com transtorno mental, na perspectiva da reforma psiquiátrica, deve ser contemplado em seus aspectos éticos, que englobam a atenção integral, a indissociabilidade do biopsicossocial, a solidariedade, o respeito aos costumes, à cultura e à diferença desta pessoa. Entretanto, na prática, na operacionalização do discurso teórico, muitas vezes, age-se de forma diferente: "muitas vezes escutamos ou vivenciamos excelentes retóricas no que tange à desinstitucionalização, e as ações, na prática, não são condizentes com o discurso progressista" (MARZANO,2004).
O novo paradigma em saúde mental necessita de profissionais comprometidos com uma nova abordagem à doença mental. Em torno deste paradigma estruturam-se conceitos como interdisciplinaridade/transdisciplinaridade, projetos terapêuticos individualizados, ruptura do paradigma clínico, noção de território, práticas de Clínica Ampliada, o cuidado como elemento-chave e a prática pautada na responsabilidade para com o portador de sofrimento psíquico. O cuidado oferecido no campo da reforma, apesar da existência de princípios para a organização de serviços e valores profissionais, não é homogêneo. Existem várias clínicas atuando neste campo, assim como contradições entre a teoria e a prática (BABINSKI,2004).
O Centro de Atenção Psicossocial desenvolvem diversas atividades que possibilitam a humanização e a reinserção do indivíduo na sociedade, bem como, atendimentos grupais e individuais, reunião com familiares e cuidadores, atividades de grupo e recreação, oficinas terapêuticas, e apoio psicológico para melhorar a qualidade de vida destes.

Considerações Finais

A motivação em pesquisar sobre a loucura surgiu em detrimento do estágio no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III na cidade de Teresina-PI. É possível identificar a partir da literatura revisada todo processo sócio-histórico da loucura, as condições de tratamento que os indivíduos com sofrimento psíquico enfrentaram e todo processo de segregação e exclusão social. Em uma vasta compreensão, foi possível observar o quão é importante e necessário a implantação do Centro de Atenção Psicossocial no Brasil, visto que, proporciona a humanização e a reinserção social dos portadores de transtornos mentais.
O processo de humanização proporcionado pelo CAPS é de grande valia no tratamento dessas pessoas, pois proporciona uma melhora significativa na vida dos pacientes, trazendo uma esperança maior enquanto ao bem estar social dos mesmos.


Fonte: A Desmistificação da Loucura Um Processo de Humanização pelo Centro de Atenção Psicossocial - Saúde Mental - Psicopatologia - Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/psicopatologia/saude-mental/a-desmistificacao-da-loucura-um-processo-de-humanizacao-pelo-centro-de-atencao-psicossocial#ixzz22nQrBeXZ






Comentários

Ô Trocyn Bão disse…
Olá boa noite,
Gostei do teu cantinho, com posts bem legais, já te sigo.
Me visite, se gostar, fique por lá também.

Abraços
http://rematitude.blogspot.com.br/
Olá.boa tarde. Muito obrigada pela atenção.volte sempre.
Abraços!

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